Entrevista a Sebastien Void
XVI
Rui Carvalho: como defines aquilo que denominas de toque? Como somos tocados e como nos eximimos ao toque?
Void: somos tocados. Como teclas de um piano. É isso. Tocados. Somos tocados. Como cordas de um violino. Como cordas de um violoncelo. Somos tocados pela vibração do mundo. O mundo toca-nos. Somos tonalidades, timbres, sons que se vibram na vibração do mundo. Somos todo o espectro sonoro em nosso redor. Entre o grave e o agudo.
A obra de Bach. A obra de Bach é Bach a ser tocado pelo mundo. A obra de Kant é Kant a ser tocado pelo mundo. Pessoa é Pessoa a ser tocado pelo mundo. Pessoa e Kierkegaard. Pessoa e Kierkegaard são, porventura, os casos mais geniais da experimentação do toque. Em Kierkegaard e em Pessoa há uma genial desmultiplicação do toque do mundo.
Somos tocados em distintas escalas. Há escalas que se cruzam. Há escalas incompatíveis. Compassos. Claves. Divisões de tempo. Modulações. O modo como nos tocamos ou nos deixamos tocar enforma as nossas vidas.
A reverberação, a caixa de ressonância de que dispomos é um apetrecho fundamental. A nossa caixa de ressonância. Tudo depende da nossa caixa de ressonância. Da nossa caixa de ressonância e do modo como apreendemos as várias escalas. Há pessoas que estão aptas a abranger todo o espectro sonoro. Outros são inaptos a deixar crescer em si o dom da musicalidade. A maioria das pessoas é amusical. Na maioria das pessoas não germinam nem teclas nem cordas. Outras possuem cordas e teclas aptas a serem tocados, contudo a sua caixa de reverberação é demasiado débil. O toque do mundo. O toque do mundo dá-se-nos através do contacto. O contacto reflecte-se nas nossas estruturas disposicionais, nos nossos modos de disposição. O humano é o ser disposto. As nossas várias disposições, os nossos vários estados disposicionais distendem-nos, de fora para dentro e de dentro para fora. Somos seres no mundo. Tudo depende da nossa abertura ou do nosso fechamento para aceder à vibração.
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