Alguns lugares são inclinados, descem até às raízes das árvores. Apontados ao centro da terra, aí nos olharemos pela primeira vez. Despidos de roupas somos assim: pedaços de carne, diluídos até à putrefação.
Abandonámos os quartos vazios, deixámos as salas plenas de insectos. Dirigimo-nos depois para longe.
Alguns quilómetros antes do fim julgamo-nos perto de vencer o mundo. Basta contudo breves segundos para que tudo se desvaneça.
Ainda assim, é importante o modo como nos damos à morte.
Vamos sendo arquivados no fluxo das coisas, será nesse fluxo que ocorrerá nosso rasto. As direcções são múltiplas e, há escolhas que não têm retorno. O horizonte é longo e curvilíneo. Desse facto se infere a impossibilidade do voo. Boca a boca acendemos pequenos luzeiros. Como morcegos, irrompemos as cavernas guiados pelos ecos emitidos. Assim vamos caindo até rasarmos a descrença.
Tornamo-nos voláteis. Voláteis e inúteis. Não há como evitarmos a perda das asas. Mesmo que a madrugada ocorra não deixaremos nunca de vagar na sombra do que fomos.
Fotografia: António Caeiro
Texto: Rui Carvalho