Seria necessário um milagre para que os carreiros deixassem de ser lugares infectos, para que reencontrássemos os caminhos; algo como o re-acontecimento de Abraão, o peito de Isaac a descoberto aguardando em desespero. Talvez assim voltasse a haver futuro, qualquer coisa outra, qualquer coisa mais que todo este passado à minha frente.
Sem fé, condeno-me ao degredo as mãos gastas de tanto caminhar.
Desabitei-me das cidades procurando lugares ermos, os corações em chaga dos pobres de Deus.
Transponho-me às costas o percurso até ao fim.
Talvez as palavras possam elevar-me junto ao patamar dos deuses, esse distante lugar onde o vento é certeiro. Essa é toda a esperança que me resta.
Possamos nós ser amantes, tornar-nos loucos ou vingar na mentira. Que o amor possa visar a incerteza, torná-la um tiro certeiro nos cornos do mundo.
“Lovers, thieves, fools and pretenders!”
Fotografia: Sónia Nobre
Texto: Rui Carvalho