Entrevista a Sebastien Void
XXI
Rui Carvalho: a encruzilhada é, então, o sentido de nossas vidas. Na encruzilhada somos decifradores de escolhas e escolhendo somos responsabilizados pelas escolhas que fazemos. Somos a responsabilidade de nos sermos. É isso?
Void: sim, somos habitantes de encruzilhadas, somos aqueles que na encruzilhada se habitam. Ao habitar encruzilhadas encruzilhamo-nos nas escolhas que fazemos. Somos fios que se desenrolam, desde um antes até um depois de nós mesmos. Somos perdidos, entre o antes e o depois. Os vários momentos entre o antes e o depois constituem-se-nos como bolhas de sentido. Somos o respirar dessas mesmas bolhas. Após terem sido respiradas as bolhas de sentido evaporam. Há quem se mantenha para sempre respirando a mesma bolha, até à rarefação do oxigénio. Há quem se sobreviva sem escolha. Há quem seja escolhido pelo mundo. Quase todos somos escolhidos pelo mundo. Raramente escolhemos o que somos ou que caminho faremos. Fazer caminho. Fazer caminho é a mais difícil das tarefas, a mais difícil das artes. A escolha dilacera. A escolha implica o dilaceramento nas encruzilhadas. Há quem jamais sangre. Há quem faça sangrar. Há também quem sangre muito. Há quem seja em ferida de tanto sangrar. Há quem se perca na exaustão das bolhas de sentido. Há também quem se respire nas bolhas certas. Esse é o sentido. Respirar as bolhas certas. Nada de ambições humanamente instigáveis. Carros, casas e empregos inomináveis. Respirar a beleza é a escolha certa. Deveríamos singrar o caminho do belo. A cada instante. Deveríamos ser a arder entre as chamas. Emissores de sinais, ardendo até ao limite do possível. Responsáveis, sim. Somos responsáveis pelo caos em redor. Somos responsáveis por não tornarmos o mundo o melhor possível. Pelo contrário, fazemos do mundo o lugar da mais tacanha mediocridade. Tacanhos e medíocres, habitamos o lugar do rancor. É essa a nossa escolha. Responsáveis, sim. Somos responsáveis pelo que somos.