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domingo, 29 de abril de 2018

Tale of a man who whispered to the flowers - XXXIX - Fotografia: Céu Baptista; Texto: Rui Carvalho



Erguermo-nos com as paisagens. Absorvidos pelo solo reentramos o horizonte. Em nossa tez se desenha o destino, as múltiplas rugas em formação. Para onde quer que nos viremos repetir-se-á sempre a mesma história: o tempo esfumando-se no chamamento do mundo.
Deixamo-nos moldar nos modos de ser das coisas. 
Há contudo uma educação, um processo educativo que apenas podemos percorrer sozinhos. Há gente que deixa rasto nos luzeiros que acende, é essa a única realidade que importa. Se soubermos mirar o horizonte por trás dos nossos olhos alcançaremos o brilho, um silêncio tornado branco até à cal.
Por vezes há estrelas cadentes, cometas rondando a velocidade da luz; e fósforos que ardem na incandescência dos teus olhos.

Fotografia: Céu Baptista
Texto: Rui Carvalho

domingo, 22 de abril de 2018

Tale of a man who whispered to the flowers - XXXVIII - Fotografia: Céu Baptista; Texto: Rui Carvalho



Tocamos ao de leve o rosto das horas e a superfície dos dias cresce até ao som. Por vezes o sangue efervesce, tanto que o amor parece possível. Descemos as ruas em contramão, tentando que todos os líquidos nos invadam, e com os lugares gastos de tanto corrermos irrompemos as solas do medo.  
No fundo do tempo há uma memória, os ossos do mundo rasgados de encontro à solidão. E sonhos que pingam desde longe. Desde o rosto de Pandora que a vida ronda o sortilégio. 
Treino-me no golpe de rins, no exercício da arqueologia da queda. Soterro-me nos escombros. Nos escombros aguardo o reencontro, o vago gesto da pertença. Onde o silêncio nos gela. É esse o lugar. O gelar do silêncio traz em si a matéria do mundo, uma música, toda a música rondando todos os lugares. E a chave, o secreto código conduzindo ao teu cheiro. As figuras, as formas, as cores. 
A certeza é esta necessidade de pertença a outro lugar.
A descoberta.
Quando a caixa se abre tudo é possível. Todo o mal e todo o bem. 
Tombarei, frente e frente com o medo.

Fotografia: Céu Baptista
Texto: Rui Carvalho

domingo, 15 de abril de 2018

Tale of a man who whispered to the flowers - XXXVII - Fotografia: Céu Baptista; Texto: Rui Carvalho



Damos por nós correndo, tentando alcançar uma qualquer luminosa matéria que nos incendeie. Será nesse incêndio que ocorrerá a primeira luz. Ocupamos as artérias incisas no coração do mundo. Depois, o coração bombeia-nos com o sangue arterial para que tratemos de assimilar todas as impurezas. Após a grande circulação deveríamos regressar ao centro do coração, regenerarmo-nos no oxigénio. Contudo, vagamos com o dióxido de carbono uma vida inteira. Somos perdidos antes do regresso. Um conglomerado de gente rapidamente se torna massa, e a massa é um operador hediondo. Quando a massa ocorre tudo se torna tarde.
Ninguém sabe bem para onde se dirige, apenas que há uma luz que diariamente ocorre. Dados perante a luz, agimos com uma clareza excessiva, pelo menos até sermos trucidados na transparência dos espelhos. Até lá achamos fazer sentido derrubando tudo em redor.
Tendemos para a devastação, é isso.  
Quando olhamos o espectro do decaimento é já tarde demais. A inexorável força do tempo.
Quantas perspectivas temos de erigir até formarmos uma visão do mundo? Isto é, quantos quilómetros distamos da realidade?

Fotografia: Céu Baptista
Texto: Rui Carvalho

domingo, 8 de abril de 2018

Tale of a man who whispered to the flowers - XXXVI - Fotografia: Céu Baptista; Texto: Rui Carvalho



A madrugada repete-se, indefinidamente. A clareza das manhãs contrasta com a estranheza da realidade e assim nos tornamos cercados na melancolia. A cada madrugada julgamos ter acertado o mundo. Olhamos o branco como um indicio de clareza, esquecendo que também o branco se escurece. Depois, a noite percorre-nos até que o brilho nos ofusque, e quando o brilho nos ofusca tendemos a cerrar os olhos. 
As qualidades secundárias não explicam o ser do mundo. Mesmo que pudéssemos pintar a realidade de cores distintas tudo se manteria o mesmo. A demíurgia apenas nos toca uma única vez. Após o acto de Criação tudo se repetirá do mesmo modo, para sempre. 
Então, cegos de exterioridade, tendemos a olhar para dentro. Olhamos para dentro e continuamos ausentes de sentido.
Somos em hecatombe, o bem e o mal derivando-nos em todos os caminhos.

Fotografia: Céu Baptista
Texto: Rui Carvalho

domingo, 1 de abril de 2018

Tale of a man who whispered to the flowers - XXXV - Fotografia: Céu Baptista; Texto: Rui Carvalho



Rasgamos os dedos na colheita das flores e depois os espinhos acompanham-nos para sempre. A estultícia propaga-se, como um veneno. De tal modo que não há qualquer limite para o mal que causamos. Atraídos pela força da gravidade, ruminamos o chão até nos tornarmos infectos. E não, não há luz que nos ilumine. Há uma porta que se abre e depois se fecha para sempre.
Partimos às cegas por dentro do labirinto; depois andamos às voltas uma vida inteira. 
Procuramos pistas, indícios de um brilho que nos indique o lugar onde devemos permanecer.  Por vezes julgamos que sim, que encontrámos o tal brilho. Quando assim é, corremos como loucos  na direcção apontada. Acho que somos seres de vislumbres, uns mais outros menos. De quando em vez vislumbramos uma qualquer ilusão, um breve brilho reflectido no interior da caverna. Na ânsia de nos acendermos corremos então desalmadamente. 
Sim, os cavalos também se abatem. 
Temos a cenoura em frente dos nossos narizes e é a cenoura que nos guia os passos. Há quem pise. Há quem seja espezinhado. Por vezes as posições mudam. Os espezinhados gastam toda a sua energia tentando mudar de posição. Os que espezinham tentam manter-se assim, a todo o custo. Meras crianças brincando no escuro, é nesta amálgama de “não se sabe bem o quê” que desperdiçamos as nossas vidas.
Deveríamos ser criadores de mundos, ao invés de sermos crianças brincando na escuridão. A energia, somente a energia pode fazer brilhar o escuro.
Deus disse: “ faça-se a luz!” e a luz foi feita.

Fotografia: Céu Baptista
Texto: Rui Carvalho