Demora-nos uma vida inteira o apuramento para enfrentar o mar, percorrer a substância das coisas, aquilatar a estrutura dos materiais; tornar-nos pertinentes e na pertinência enfrentar as vagas.
Tornei-me madeira revestida. Vedei-me com estopa para impedir a penetração das águas.
Depois. Depois instrui-me na arte da navegação. Li todos os livros sobre oceanos. Debrucei-me na escuta das águas, escutei a estrutura das marés; o marulhar do vento incentivando a viagem.
Contudo, não parti ainda. Fui seco na coragem da partida. Arranquei-me ao solo, mas minhas raízes ainda me arrastam os pés no lodo. Adquiri meu peso na pressa de chegar longe, a um cais que é agora cada vez mais longínquo. Mesmo após ter vencido todas as batalhas, o mundo ainda me sopra o desalento de uma guerra perdida.
Estaria disposto a suportar o embate das vagas, sempre estive. Houvessem vagas que me levassem perto de uma beleza Antiga, de uma tragédia erigida para gáudio do espirito vindouro.
Pudesse eu soprar o vento e com ele alimentar toda uma sede de vida, fazer nela atolar toda a estupidez do mundo.
Fotografia: António Caeiro
Texto: Rui Carvalho
Pudesse eu soprar o vento e com ele alimentar toda uma sede de vida, fazer nela atolar toda a estupidez do mundo.
Fotografia: António Caeiro
Texto: Rui Carvalho