Nascemos dentro de carruagens. Dentro das carruagens nos exercemos na fugacidade. É esta a primeira paisagem que vemos, o primeiro foco de sentido: as coisas fugindo-nos os olhos, como cometas. Contudo, os órgãos de equilíbrio possibilitam-nos andar sem cair, tornar-nos mais seguros a cada passo.
Ao fim de muitos passos adquirimos a forma do caminhar.
O caminhante é aquele que caminha.
Há uma correlação ontológica entre o caminhante e o caminho que perfaz. Regra geral o caminho é-nos predeterminado, são as predeterminações que nos enformam na segurança. Na segurança todo o lodo se mostra plausível. É no lodo que nos deixamos seduzir. O equilíbrio ausenta-nos à vertigem.
A carruagem segue o andamento das coisas, induz-nos no sincronismo. Adquirimos a noção que as coisas nos são síncronas. No sincronismo deixamo-nos acompanhar no delírio da certeza, de estarmos absolutamente certos no percurso que nos é dado percorrer. Toda a dúvida se revela então um empecilho no sistema.
As carruagens seguem os trilhos da indubitabilidade.
Logo após a segurança atingimos a vanglória. Tomamo-nos de temor pelo desequilíbrio, pelo temor ao movimento durante um período prolongado de tempo.
Rodo sobre mim próprio com os olhos vendados. Assim atinjo a labirintite, a forma súbita da vertigem, o processo infeccioso que afeta o ouvido interno.
A náusea e o vômito são condições necessárias ao recobro. Sem a vivência do nojo jamais vislumbraremos a vagueza do mundo, que somos atrelados como sombras nos trilhos da indubitável certeza de nada haver a fazer, quando na verdade nada sequer ainda foi feito.
Os objetos são algo em redor, algo que se mantém em constante movimento. Há toda uma realidade vagando no vácuo.
O sentido da vertigem, é aí que devemos cair. Sem o percurso da queda jamais vislumbraremos a possibilidade de nos ergueremos do chão.
Fotografia: José João Loureiro
Texto: Rui Carvalho