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domingo, 26 de novembro de 2017

Tale of a man who whispered to the flowers - XX - Fotografia: Céu Baptista; Texto: Rui Carvalho


É assim que te vejo, como alguém chegando, percorrendo os vários planos da aparição. 
Depois.
A realidade é um lugar difuso. É necessário que nos esforcemos para nos mantermos os mesmos, e isso é tão difícil. É tão difícil mantermo-nos os mesmos quando percorremos lugares que são já outros. 
Entretanto.
Há uma espécie de fustigação, um formigueiro que me sobe dos pés até ao tronco dos meus olhos. A visão turva-se quando a saudade ocorre e, de saudade em saudade, vamos alcançando o degelo do mundo. 
Agora.
Quando chegas tudo arde, inclusive os corpos que habitamos. Devemos ser algo como: uma fusão. A fusão de uma matéria incandescente, um toque, um riso, o transfigurar de uma solidão.
Pretendi edificar-me um mundo de lugares intensos. Em uníssono, procurei um som, a repercussão do universo no instante que nós somos. 
É isto, sofro de filosofia e desta necessidade de te sentir chegar.

Há lugares que são intensos. Algumas pessoas também o são.  

Fotografia: Céu Baptista
Texto: Rui Carvalho

sábado, 25 de novembro de 2017

Breve tratado acerca da arte de jardinar

O eco da vitória é igualzinho ao estrondo da derrota. Bom, com uma ligeirissíma diferença. O primeiro é efémero, o segundo dura para sempre.

Rui Carvalho, s. d.

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Útero - XV - Fotografia: Sónia Nobre; Texto: Rui Carvalho



Há uma estranha gente crescendo com o que resta do mundo, erguendo nos ombros a proximidade do fogo. Comigo procuro uma matéria terrifica. O perplexo olhar dos espelhos, qualquer sopro rondando-me o susto. Não somos outra coisa que não esta névoa gravitando a orla das coisas, os passos perdidos de quem ainda nada entendeu. 
Deve ser mesmo assim. Tudo começa nesta necessidade de praticar o espanto. Depois há pássaros que voam e outros que não. E nós, que não somos pássaros e queremos voar…
Em tempos prendi-me em tuas asas. Devo ter voado perto de Ícaro, pelo menos a julgar pelo som, pela incandescente matéria rondando-me o corpo. Nossas vozes devem ter rasado a melodia do mundo. Sim, devemos ter sido por um triz. 
Contudo, após rasarmos o fogo tornamo-nos outros. É inevitável que assim seja. Que alonguemos os passos até não sabermos onde é o lugar da perda de pé.  
Deve ser mesmo assim, rasamos a melodia das coisas para depois nos perdermos no acicatar das desarmonias. 

Fotografia: Sónia Nobre
Texto: Rui Carvalho

domingo, 19 de novembro de 2017

Tale of a man who whispered to the flowers - XIX - Fotografia: Céu Baptista; Texto: Rui Carvalho


Não. Carpe Diem não é por aqui. Neste lugar não se colhem rosas. A intensidade do sopro apenas se dá na beleza criada, não nos locais onde a estupidez medra. 
Não. Não é aqui o sopro da vida. Para que a vida nos sopre é necessário não temermos a morte.
Não colheremos botões de rosa nos lugares onde nada existe. As rosas vicejam nos instantes e os instantes acontecem no tempo, não no espaço. O sopro. O sopro da vida precisa de ouvidos que o ouçam. De ouvidos que o ouçam e corações que o acolham. É necessário treinar. Treinar até à exaustão. Conheces a estória do hindu que queria torna-se um tronco? Sim, o tronco de uma árvore. 
Seria isso. Deveríamos ser como o hindu, cumprirmo-nos no desejo de nos tornarmos troncos de árvore. Tornados árvores deveríamos deixar-nos crescer os ramos até aos frutos, formar-nos de acordo com a intensidade das sementes.
Escuto agora um sopro, a tenacidade do vento batendo nos ramos. É aí, é aí que a vida eclode. É essa a melodia. Consegues ouvi-lo, consegues ouvir o sopro da vida, meu amor?

Fotografia: Céu Baptista
Texto: Rui Carvalho

domingo, 12 de novembro de 2017

Tale of a man who whispered to the flowers - XVIII - Fotografia: Céu Baptista; Texto: Rui Carvalho


Tal qual o medo, o mundo gira sobre todos os seus quadrantes. Ainda assim há uma força que faz com que a água não verta para lá de si mesma. Sejamos então como essa força, e, como essa força naveguemos em rota de colisão. Como navios, colidamos nosso olhar até à feitura do tropeço. 
É imprescindível que nos possamos prescrever uma rota e que essa rota transgrida as possibilidades do pensamento. Somente assim poderemos colidir. Se nos fundarmos na razão nada poderá ser edificado, nada a não ser estas casas devolutas onde até hoje habitamos. E estradas, e estradas que inevitavelmente nos conduzirão para dentro dessas casas. Será sempre assim. As casas serão desabitadas e no seu interior tocaremos a intensidade da solidão. Iremos de solidão em solidão, e de solidão em solidão seremos coisa pouca. Nada que não seja esta prescrição fantasmagórica de elementos difusos. 
É isto: necessitamos colidir, inventar percursos que nos colidam. Devemos adquirir-nos na magia da colisão. 
Que meus olhos percorram os teus até à lisura do escorregamento. Que tudo comece assim, com a intensidade dos opostos, duas forças degladiando-se até à síntese. Eu, tu, e a intensidade com que te espero. 
Sim, a água é um horizonte indefinido que se descentra até focar o céu, um mar, uma força, um oceano. 

Quanto a mim, apenas desejo atingir o céu da tua boca.

De qualquer modo, no instante em que te amar na infinita proporção do todo não haverá vácuo que resista à nossa simetria.

Fotografia: Céu Baptista
Texto: Rui Carvalho

terça-feira, 7 de novembro de 2017

Sobre toda a escuridão - XI - Fotografia: José João Loureiro; Texto: Rui Carvalho


A realidade gera-se na constante luta dos opostos, e a isso se deve o facto de estarmos desde logo condenados a singrar no absurdo. Mesmo que nos fosse possível correr o mundo de trás para a frente, em nada se alteraria a sequência das nossas vidas. Tal qual um corredor de barreiras na inversão da corrida, seriam exactamente os mesmos os obstáculos onde cairíamos. 
É isto: somente  sabendo quem somos seremos aptos a saber aquilo de que somos capazes.
Adquiri a sabedoria das coisas, a evidência que o mundo se restringe a isto. Qualquer coisa entre a profunda tristeza e a mais intensa alegria. 
Ou vice-versa. 
Sim, somos nós o mito de Sísifo; aqueles que transportam a intensa alegria da pedra que nos coube. 

Eis-nos a consciência da queda, Camus, meu Irmão. 


Fotografia: José João Loureiro
Texto: Rui Carvalho

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

domingo, 5 de novembro de 2017

Tale of a man who whispered to the flowers - XVII - Fotografia: Céu Baptista; Texto: Rui Carvalho


Visitei estranhos lugares, as pedras gastas pelo louco andar de quem procura. Sim, é nessas pedras que devemos guardar nossos sonhos. 
Andámos descalços durante demasiado tempo, o suficiente para adquirirmos o terrível conhecimento do fogo. Olhámos as paisagens inermes, os estranhos lugares onde os santos eremitas buscaram o silêncio. Aí recortámos os rochedos. Tombámos montanhas para que a paixão se tornasse célere.
E os teus olhos, os teus olhos caíram nos meus como cometas. 
Arrasto-me agora até ti para que em teus lábios me vertas o verbo, a significância das poucas coisas que quero. 
Quanto aos objectos a que se dirige, também o desejo é perecível. E eu, eu gastei a minha fome de coisas.

Regressemos pois ao lugar onde tudo termina para que de novo tudo recomece. 

Fotografia: Céu Baptista
Texto: Rui Carvalho

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Útero - XIV - Fotografia: Sónia Nobre; Texto: Rui Carvalho


Necessitaríamos superarmo-nos, tornar-nos outros a cada instante. Rodar em círculos até à previsão do mágico toque dos druidas. Contudo, somos esquecidos da magia das coisas. Teimamos em apegar-nos às vicissitudes, a toda esta estupidez. Deixamo-nos cercar pelo mundo até que o mundo nos seque. 
Percorri a lonjura dos trilhos para me distanciar do medo, escondi-me de mim mesmo até tornar-me toda esta inanidade. É muito mais fácil habitarmos o cerne da distração. Sentarmo-nos à mesa e dizermos tudo o que não importa.  
Pois é, somos esta gente vaga que se mina na perfídia. Fogos fátuos, pouco mais que fogos fátuos; ardendo na imensidão deste deserto.
Um dia habitarei os relevos da paisagem, crescerei junto às ervas. Com as ervas atingirei o norte dos meus sonhos. Habitei então alturas descabidas, lugares onde é proibida a permanência. 

Sim, somos tiros no escuro. E não, não há vitórias antecipadas.

Fotografia: Sónia Nobre
Texto: Rui Carvalho