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quinta-feira, 29 de novembro de 2018

De Rerum Natura - IV - Fotografia: Gusha Lawrence; Texto: Rui Carvalho





Há um mundo eivado de palavras longínquas. Mapas mundi. Dedadas de criança querendo aceder ao longe. Somos nebulosas de dedos cruzando os hemisférios, um mar em cima e um céu por baixo.
Os dias reflectem vagas promessas. A cada segundo, a ampulheta - o som do tempo pingando. O amor disfarça-se e o tempo também. Concorrendo lado a lado, trata-se de sermos prestes na corrida. 
Antes que o mundo caia convém sabermos adivinhar-nos. De qualquer modo, o tarde será tarde e o escuro é sempre escuro. Cabe-nos a nós reinventar as coisas, aprender alguns truques de prestidigitação. Desde o inicio, a esperança escorre. O desespero também. 
A memória. Embarcamos cidades que nunca são nossas, vamos de um estado a um outro estado. Tudo é tão repentino. A matéria é volátil e nós somos volúveis, nascemos num corpo e regressamos a lugar nenhum. 
Ainda assim,
                       há lugares tão belos! Lugares tão belos e pessoas perto do assombro!

Fotografia: Gusha Lawrence
Texto: Rui Carvalho

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

De Rerum Natura - III - Fotografia: Gusha Lawrence; Texto: Rui Carvalho



Dois hemisférios, um barco, uma travessia. Cada um de nós é uma ilha, e cada ilha é um continente. Regulamo-nos pelo cansaço, não pelas horas do mundo.
O tempo dos relógios difere da realidade, e tal facto implica que sejamos apenas uma breve aragem, que ocorramos distantes de tudo. Deslocamo-nos no vento, na hipnótica certeza de estarmos sós.
Eis os dias, colando-se entre si.
Não fora o nosso apego às coisas tudo seria sempre igual.
Ainda assim, entre a tristeza e tudo o resto há uma breve aproximação, as velas enfunadas enfrentando os vendavais. É disso que se trata, de processos de descolagem. A contagem decrescente vai do máximo até ao mínimo. Quando o mínimo se assoma somos perante a partida, o intenso abandono dos lugares.
Entre o preto e o branco, livro-me das cores intermédias. Navego até ao desapego, ao rasar de uma adolescência perdida. Talvez haja uma vantagem no sofrimento. Talvez seja esta a vantagem: saber-me no mar como se em Deus me soubesse.

Fotografia: Gusha Lawrence
Texto: Rui Carvalho