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segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Love songs to no one else - IXX

IXX
De qualquer paixão, o início é não poder viver sem música. Não poder outra coisa que não a escuta dos sons provindo no silêncio. De olhos cerrados, recostar-me em tua voz. Escutar-me então  o quanto me encantas. 
Ser perto de ti. 
Tão perto que possa beijar-te as pálpebras. 
Ser contigo o sentido do mundo. Uma visão. Somente uma visão. Nessa visão juntos olharmos para além das coisas. Não para dentro delas, mas para lá delas mesmas. Fazermos o redor silenciado em nosso olhar. Somente a nós nos vermos. Afugentarmos as sombras dos outros, o que ainda restar das aparências. Visarmos apenas o essencial, o essencial do que é essencial. 
O amor. 
Os teus olhos por dentro de meus olhos. 
Refazermo-nos da queda quando a queda chegar. Adequar-nos ao talento de restar. Restar-nos de tudo e de todos. Sermos firmes de mãos dadas. 
Virá o momento que não mais saberemos que fazer para durar, isso é certo. O tédio colar-se-á à rotina e a rotina será tudo o que teremos. Seremos então postos à prova. Haverá a mais longa planície e nela nos deslocaremos, sem água nem mantimentos, somente passado e futuro. 
Aí apreenderemos a importância do solo. 
Nesse lugar longínquo onde todo o presente se esvai, apreenderemos a importância de teimar. A importância de ficar, fincar pé no solo até que as raízes cresçam. Assim ficaremos, sem uma palavra que seja. Nada diremos, excepto o silêncio dos corpos vibrando por dentro da alma. Aguardando o resgate. Os ouvidos do mundo escutando a duração do silêncio, nos milénios transpostos. Nos milénios transpostos no instante do toque, no aquecimento dos corpos até ao concreto da loucura.

Rui Carvalho, s. d.

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